Estados Unidos avançam sua ofensiva contra a dependência dos microprocessadores

A pandemia e a subsequente explosão de consumo, derivada das políticas fiscais ultra-expansionistas, jogaram luz sobre a super otimização da cadeia global de suprimentos.
Tecnologia acessível e barata levou à adoção de componentes eletrônicos em praticamente todos os bens duráveis do dia-a-dia. Desenhados nos Estados Unidos e produzidos em uma complexa cadeia de países asiáticos até chegarem na maior fábrica de componentes do mundo, a TSM em Taiwan, diversos problemas logísticos levaram à escassez global de semicondutores, que prejudicou a produção de automóveis e caminhões e gerou falta de inúmeros outros produtos eletrônicos. A corrida por estes componentes vitais, entretanto, está apenas começando. A pedra angular do movimento das startups e das Big Techs não poderia ter nascido mais diferente do que aquelas histórias sobre a origem das empresas do Vale do Silício. Trata-se de uma indústria cujo progresso tecnológico ocorreu longe dos holofotes e perto do subsídio governamental. O patriarca da TSMC, Morris Chang , desiludido com o mundo corporativo após ser recusado como CEO da Texas Instruments nos Estados Unidos, aos 56 anos, retornou à Taiwan, onde recebeu uma proposta do governo do país: construir uma nova indústria de semicondutores. Graças a um voraz investimento em pesquisa e desenvolvimento e a decisão de ser apenas o fornecedor e não competidor na indústria de eletrônicos, a TSMC foi capaz de rapidamente acumular capital intelectual que aliado à produtividade e baixo custo de mão de obra tradicionais da Ásia tornaram a empresa praticamente monopolista no mercado global. Segundo o jornal Nikkei, Taiwan possui hoje cerca de 66% do mercado global. O feito colocou a pequena ilha, catalogada como “província rebelde” pelo governo chinês, no centro do xadrez geopolítico contemporâneo. A política de “uma china, dois sistemas” parece não servir mais tanto a China, com suas ambições de super-potência, naquilo que se refere a Taiwan, cujo governo vem buscando um afastamento cultural em relação à China continental. Um conflito geopolítico que interrompesse a produção de semicondutores teria um efeito perverso sobre a economia global, causando um choque de produtividade jamais visto. Em artigo para a Foreign Affairs, Richard Haass e David Sacks afirmam que é hora dos Estados Unidos deixarem de lado a “ambiguidade estratégica” - como ficou conhecia a política de suporte à Taiwan, porém sem o compromisso formal de socorrer a ilha em caso de ataque da China, descrito no “Taiwan Relation Act” autorizado pelo Congresso americano em 1979. Para os autores, a ambiguidade cumpriu seu papel enquanto a China buscava evitar conflitos internacionais para focar internamente, principalmente em seu desenvolvimento econômico. Agora, defendem os autores., conforme a China busca ampliar seu papel como potência global, os Estados Unidos devem se posicionar explicitamente a favor de Taiwan Aos poucos, a política americana com relação à China vai se alterando. O que começou com tarifas comerciais implementadas pelo ex-presidente Donald Trump, evoluiu para embargos de transferências de tecnologia de ponta, principalmente nas indústrias de semicondutores e inteligência artificial. Após o encontro com o presidente chinês Xi Jinping em novembro de 2022, o atual presidente americano Joe Biden afirmou, em nota oficial, que os Estados Unidos vão competir “vigorosamente” com a China no cenário econômico global, porém que é responsabilidade de ambos os países que isso não escale para conflitos diretos. Diante desta nova política americana de “contenção” chinesa - seguindo paralelos com o “grande telegrama” de George Kennan - a fragilidade da independência de Taiwan tornou-se um dos principais campos de batalha da diplomacia e potencialmente militar. Para os pesquisadores da “The US Army War College Quarterly: Parameters”, Jared McKinney e Peter Harris, seria necessário um plano de evacuação de todos os trabalhadores altamente qualificados da ilha e um mecanismo automático de destruição das instalações da TSMC em caso de invasão chinesa. Isso buscaria uma “dissuasão por negação”, isto é, a imposição de custos tão elevados que uma invasão passasse a não fazer mais sentido. No campo econômico, os Estados Unidos também estão na ofensiva. O país lançou um programa de incentivos à indústria de semicondutores. O CHIPS Act, ratificado em 2022, promoverá cerca de 280 bilhões de dólares até 2026 em incentivos para que o Estados Unidos se distancie ainda mais da China na corrida pela soberania global nos semicondutores. O pacote teve efeito no curto prazo. A própria TSMC anunciou a construção de uma fábrica em Phoenix, no Arizona. Na inauguração dos primeiros equipamentos, Morris Chang pronunciou um futuro sombrio e afirmou que a globalização e o livre comércio ficaram no passado.
Entretanto, é natural que uma indústria desta complexidade leve anos, se não décadas, para se estabelecer nos Estados Unidos e em outros lugares do Ocidente. Por enquanto, o futuro da economia global reside em uma pequena ilha a meros 160 quilômetros da costa chinesa, cuja independência se baseia em “ambiguidades estratégicas”.
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