O Brasil e o andar do bêbado
- Núcleo de Notícias
- 20 de fev. de 2023
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Regredindo na discussão sobre juros e independência do BC, o país cambaleia entre a euforia irresponsável e o rumo da sobriedade

Em seu livro, “O Andar do Bêbado”, Leonard Mlodinow argumenta como a aleatoriedade está intrinsecamente ligada às nossas vidas. O título remete a uma analogia do que, em estatística, chamamos de passeios aleatórios. Caso esses passeios tenham uma tendência, apesar da movimentação aleatória, algumas vezes acima da tendência, outra hora abaixo dela, a série segue seu caminho, tal qual um bêbado voltando para casa. Um exemplo clássico disso é o crescimento do PIB. Cada economia tem características particulares que ditam sua tendência de crescimento. Entretanto, essa não ocorre de maneira linear, estando sujeitas a ciclos de expansão econômica e ciclos de crise.
Mas há também o caso das séries que não possuem tendência. Não importa quão brusco seja um movimento para uma direção específica, sabe-se que, no longo prazo, a série retornará ao ponto de partida, como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Muitas vezes o debate público no Brasil parece justamente isso. Debate-se, discute-se, briga-se e acha-se que se está fazendo progresso. Porém, quando se percebe, voltou-se à estaca zero.
Ideias falidas e retrógradas retornaram aos palanques ano passado e encontraram respaldo na vanguarda do atraso da Academia brasileira. O Banco Central, argumentam, deve estar submetido ao plano de governo. O Estado é o promotor do crescimento econômico e incentivos para a indústria são fundamentais para o desenvolvimento do país.
Foi neste clima que ocorreu, na última semana, entre os dias 14 e 15 de fevereiro, a CEO Conference, evento realizado pelo banco BTG Pactual. A abertura do evento foi realizada pelo presidente do conselho do BTG, André Esteves, com moderação do jornalista William Waack. Esteves é uma das figuras mais poderosas do mercado financeiro e uma voz frequentemente ouvida pelos últimos governos.
De início, Waack perguntou sobre os argumentos sobre a falácia da crise fiscal e por que, afinal, os juros no Brasil são tão altos? Esteves logo afirmou que há, de fato, o problema fiscal e que os juros no Brasil não estão errados, uma vez que juros são determinados pelo mercado e não apenas por um fator específico. Ressaltou, ainda, que banqueiros não gostam de juros altos, pois desestimulam a expansão do crédito.
Sendo a figura pragmática que é, Esteves afirmou que a independência operacional do Banco Central foi respeitada nos governos anteriores de Lula. Mas o atual presidente parece ter uma pressa irracional para entregar suas promessas de campanha, que podem levar a um descalabro da situação fiscal e a um cenário econômico de contração econômica e altos níveis de inflação.
Em seu comentário sobre a inflação, Esteves afirmou que o Brasil é como um alcoólatra em recuperação quando se trata de processo inflacionário, em que um pouco de inflação já é suficiente para acionar antigos mecanismos de indexação que podem rapidamente desencadear uma espiral inflacionária de preços e salários.
Voltemos ao andar do bêbado. Sabemos que o bêbado certamente chegará à porta da frente de casa. Mas de qual casa? Quanto maior o nível de embriaguez, maior a chance de um destino errático.
Os inconsequentes esperam que um pouco de álcool incentive nosso bêbado a finalmente entrar naquela bela casa do vizinho nórdico que tanto invejam. Entretanto, como Esteves bem alertou, dê álcool a um alcoólatra e ele errará a dose. Quando se bebe, coisas feias parecem mais bonitas e nosso simpático bêbado pode acabar entrando na casa do vizinho mais pobre, onde os fundamentos não são firmes, os pilares já foram corroídos pelo tempo e o teto corre o risco de desabar a qualquer momento.
Já os mais preocupados argumentam que nosso bêbado ingeriu álcool demais e não se pode deixar essa situação perdurar. Naturalmente, a dose do remédio para a cura do vício é sempre mais alta. Se há, de fato, preocupação com o bem-estar do bêbado, alimentar seu vício não parece ser a melhor solução. O Banco Central tem sido rígido e enfático, por temer que ele não chegue ao destino correto: nossa pequena casa, sempre em reforma, porém com sol da manhã e ótima localização.
Apesar do remédio amargo, o Brasil cresceu em 2022 e deverá continuar crescendo este ano. Nosso bêbado está rumando sem muito problema para a casa que lhe pertence. O que pode alterar esse cenário são incertezas quanto à política fiscal que venham a desancorar as expectativas de inflação e forcem o Banco Central a subir mais os juros. Há também o risco de que a recém conquistada independência do Banco Central seja subjugada pelos interesses do Planalto, o que resultará em mais inflação e menor crescimento. Lembremos que há casas piores na vizinhança.
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